quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Crônica

A história de minha vida

Do alto dos meus mais de cem anos de vida, contemplo a cidade do RJ a meus pés. No topo do morro de Santa Teresa, minha vista alcança o infinito. Olho em volta e vejo as mais belas paisagens.
Quando aqui cheguei a cidade era bem menor, pontilhada por espaços verdes, de encostas de morros intocadas. Mas o tempo passou e a cidade cresceu desordenada e desumanamente. Hoje vejo em torno de mim, um amontoado de barracos e ao longe a silhueta altaneira dos grandes edifícios. Vejo e sinto a diferença de vida dos moradores dos morros e dos moradores da praia.
Hoje, bem perto de mim, o Cristo Redentor abre seus braços querendo acolher a todos. Recordo as transformações pelas quais vi a cidade passar: vi surgir a estátua do Cristo Redentor, vi também quando ela pôde novamente ser iluminada quando a paz voltou ao mundo depois da Grande Guerra; acompanhei a construção do maior estádio de futebol do mundo, o Maracanã; testemunhei ainda a ousadia de engenheiros na construção da Ponte Rio-Niterói.
Eu também me transformei. Seguindo a regra geral da vida nasci pequena. Era apenas uma pequena casa de família, construída no final do século XIX. Abriguei em minhas paredes diversas gerações.


De repente, no ano de 1912, minha vida mudou completamente. Mudei de proprietário. Durante sessenta anos iria me alargar, sofrer pancadas, crescer, subir para transformar-me em espaço educativo e acolher crianças e jovens vindas de várias partes do país. Ganhei um nome: Colégio Assunção. Bolas, risadas, cirandas, livros, sonhos, saudades – tudo isso passou a povoar meus corredores.
Chegar até a mim era um passeio poético: o bondinho de Santa Teresa serpeava por entre as curvas de uma longa rua que subia o morro. Suas rodas rangiam contra os trilhos numa melodia característica. Além da viagem no bondinho, era preciso ainda enfrentar uma ladeira de paralelepípedos que conduzia as pessoas até a minha porta. E muitas vinham. Meu renome crescia. O número de alunas aumentava. Eu era até assunto de crônica nos jornais.
Muitas dessas alunas vinham de longe: Sergipe, Ceará, Mato Grosso, Pernambuco, Bahia, Pará, Minas Gerais... Para elas, eu me tornava seu lar, pois moravam em meu recinto meses a fio. Eu as via crescer, sonhar, aprender, desenvolver seus dons, planejar o futuro. E era com emoção que as via partir, depois de longos anos de convivência, para colocar em prática o que aqui lhes tinha sido transmitido.
Eu era lar também para uma comunidade de Irmãs, mulheres corajosas que, deixando seus países natais – França, Espanha, Alemanha – atravessaram o oceano para plantar em nossa terra a semente de uma educação cristã e libertadora.
Em torno de mim, a cidade se transformava, o país se transformava, o mundo se transformava. Fui testemunha de conversas, cochichos, medos e sonhos que estas transformações provocavam.
Passaram-se revoluções e guerras, mudanças de governo, novas descobertas, invenções. Tudo isso encontrava eco em mim. As mudanças de costumes e comportamentos eram significativas. Minhas paredes ouviam e viam que os tempos eram outros.
O ano de 1972 trouxe uma outra mudança radical em minha vida. Testemunhei a última formatura: o colégio chegava ao fim. Mudei de nome: já não era mais Colégio Assunção, mas passei a ser Centro de Acolhida Missionária – CENAM. Já não eram mais crianças e jovens que se abrigavam sob o meu teto, mas diversos tipos de pessoas: missionários estrangeiros que vinham para o Brasil; homens e mulheres que vinham aprofundar seu compromisso social; religiosos e leigos em busca de um aprofundamento espiritual; profissionais de diversas categorias para dias de planejamento; pessoas de diversas confissões religiosas; casais; grupos de jovens e outros. A diversidade é grande.
Continuo sendo lar para as irmãs. Com o passar dos anos vi muitas delas terminarem suas vidas e vi várias outras chegarem no entusiasmo do serviço ao próximo. Graças a elas moradores e vizinhos, membros das comunidades carentes do bairro continuam – como acontecia desde o início – freqüentando meus espaços.
Já tenho uma certa idade. Vi muitas coisas acontecerem. Mas uma coisa me alegra: ao longo de todo esse tempo, tenho sido, e continuo sendo, espaço de acolhida. Sei que tenho colaborado para o desenvolvimento de muitas pessoas e grupos. Tenho oferecido espaço e condições para o desabrochar de capacidades e dons. Sinto a alegria de poder oferecer, a quem o desejar, a possibilidade desse crescimento.
Para quem procura um espaço para realizar, seminários, cursos, fóruns, encontros, aprofundamentos, planejamentos e outros tipos de eventos, venha me conhecer. Aqui você vai encontrar uma das vistas mais belas da cidade do Rio de Janeiro. Daqui se avistam os pontos turísticos mais procurados: Pão de Açúcar, Enseada de Botafogo, Cristo Redentor, Maracanã, Floresta da Tijuca, Ponte Rio-Niterói, Sambódromo. Aqui também se encontra um ambiente de silêncio que facilita a concentração. A natureza, com a sua exuberância de plantas e animais proporciona um clima saudável e agradável. Mesmo assim, ter mais de cem anos tem suas consequências. O que antes não tinha, agora vêm em dobro, ferrugem nas instalações, internas, vazamentos, enfim, um absurdo de coisas que não contava com elas. Sinto que preciso de um bom cirurgião plástico, que faça reparos não apenas externos, mas de um bom angilogista, pois minhas veias já estão gastas, sofrem o desgaste do tempo, depois já existem produtos mais modernos que são tão duráveis e tão bons e talvez melhores do que os que usei até agora. Preciso de uma junta de profissionais cada um na sua especialidade para que eu continue vivendo, olhando o que têm de mais bonito na paisagem da cidade do Rio de Janeiro, pois enfrentando os ventos e tempestades que vêm do mar nestes mais de cem anos não tive medo de ser destruída por elas, mas deixava minhas mais de cinquenta portas e janelas serem caminhos livres para o vento passar. às vezes ele derruba algumas árvores próximas a mim, mas eu continuo firme. Sou forte e quero continuar vivendo por muitos e muitos anos.
Como vocês perceberam, eu sou uma casa, eu tenho uma história que é parte da história de muitas vidas.
Do alto dos meus mais de cem anos de vida, contemplo a cidade do RJ a meus pés...